“Bliss: Em Busca da Felicidade”: falta sutileza, mas sci-fi alegórico emociona

Caio Coletti
2 min readMar 6, 2021

--

BLISS: EM BUSCA DA FELICIDADE (Bliss, EUA, 2021)

A ficção científica alegórica de Mike Cahill, embora por vezes demonstre uma falta de sutileza letal para as próprias ambições, raramente é menos do que honesta e eficiente. “Bliss: Em Busca da Felicidade” não é diferente — só que, com o lançamento pela Amazon Prime Video, muito mais gente passou por essa experiência de fascínio, emoção e frustração que ele vem oferecendo há anos em seu cinema.

Porque sim, é dolorosamente óbvio que “Bliss”, com sua trama instigante sobre realidades alternativas e simulações computadorizadas, é na verdade um filme sobre vício. Cahill estrutura a sua narrativa para espelhar a de um homem digladiando com o abuso de substâncias químicas, o seu afastamento do mundo real partindo do momento em que ele toma o primeiro gole de álcool e terminando em um par de duras, inclementes tomadas estendidas, sem cortes, que sinalizam a estrada da recuperação.

O cineasta encontra verdade emocional nesse arco, ajudado por um Owen Wilson compenetrado e medido, que acerta em cheio o tom ligeiramente remoto, incerto de um viciado. Ele também é um contraponto bem-vindo à performance desregulada de Salma Hayek — e não é que essa seja uma crítica a ela, visto que a atriz mexicana já mostrou em amplas oportunidades de sua carreira a capacidade de ser mais cuidadosa em cena. Não, ela escolhe o exagero aqui, e garante o valor de entretenimento do filme pelo caminho.

Cahill, no entanto, parece não ter a fineza artística, ou talvez a vontade (vai saber!), de deixar o espectador pensar por si mesmo quando está vendo o seu filme. Para um script que confia tanto na metáfora, “Bliss” sofre de dolorosa literalidade, com o diretor constantemente introduzindo dicas e rimas visuais que, ao invés de aprofundar sua construção de mundo, acabam só servindo como piscadelas bobas para o espectador.

A inadequação eventual de Cahill é uma distração infeliz no meio de “Bliss”, que tem muitas ideias bacanas e momentos genuinamente tocantes para oferecer — especialmente, imagino, para pessoas que poderão se enxergar de maneira mais próxima nos protagonistas. E é preciso apoiar ficções científicas com propósito como esta, mesmo que elas sejam falhas. Do contrário, o potencial gigantesco do gênero como vetor de retrato e identificação social pode ir para o lixo.

7/10

Onde ver: Amazon Prime Video.

--

--

Caio Coletti
Caio Coletti

Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

No responses yet