Com quase 30 anos de história, qual é o legado de “Absolutely Fabulous”?

Caio Coletti
3 min readFeb 21, 2021

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ABSOLUTELY FABULOUS (Reino Unido, 1992–2012)
ABSOLUTELY FABULOUS: O FILME (Reino Unido/EUA, 2016)

Há fenômenos que mudam a história de seu meio, e fenômenos que marcam a cultura de forma indelével, mas se localizam em uma estatura ou um nicho tão específicos que nunca recebem um “sucessor” à altura, ou ditam uma tendência sólida. “Absolutely Fabulous”, me parece, pertence ao segundo grupo.

Não me leve a mal: com certeza a série criada e conduzida por Jennifer Saunders inspirou muitas mulheres comediantes no Reino Unido a se lançarem em empreitadas próprias, criando séries idiossincráticas com a confiança de que ao menos poderiam, quem sabe, serem abraçadas pelo público como seus colegas homens — sem “AbFab”, talvez nunca tivéssemos tido uma “Miranda”, ou mesmo uma “Fleabag”.

Cena da primeira temporada de ‘Absolutely Fabulous’, de 1992

Ao mesmo tempo, é óbvio que nem “Miranda”, nem “Fleabag” ocupam a mesma localidade cultural de “AbFab”. A criação de Saunders falhou (embora isso não seja necessariamente ruim) em produzir descendentes, com sua mistura única de paródia ferina do consumismo e da cultura da celebridade; suas relações familiares perturbadoras; seu humor cruel, com aberturas eventuais para o bobo, e brechas ainda menos frequentes para o sentimental.

É verdade que Saunders mantém um controle invejável da jornada de suas personagens enquanto aplica todo esse caos cômicos. Do primeiro episódio, em 1992, até o filme de 2016, Edie e Patsy passam por uma jornada coerente de luta contra a obsolescência, encontrando cantos cada vez mais desconfortáveis onde podem expressar sua apaixonada obsessão pelo material.

O episódio de Natal de 2004 de ‘Absolutely Fabulous’

“AbFab” se delicia com a futilidade delas, quase se permitindo admirar o quão descomplicado é o desejo que ambas nutrem por uma vida de sossego, luxo e notoriedade — mas Saunders nunca nos deixa esquecer das crueldades que a busca por essas coisas faz Edie e Patsy cometerem, encarnada principalmente em uma estoica, patética e heroica (tudo ao mesmo tempo) Saffron, filha da protagonista, vivida com inteligência notável por Julia Sawalha.

Outro motivo para a série não ter descendentes na TV: nenhuma dupla de comediantes chegou perto do entrosamento absoluto entre Saunders e Joanna Lumley, que registraram, durante mais de 20 anos, performances de inflexível excelência física, construindo personagens que, calcadas no exagero, extrapolam os piores instintos humanos… e, por isso mesmo, se tornam queridas, mesmo a contragosto.

9/10 (série)
6/10 (filme)

Onde ver: Telecine Play, Apple TV, Google Play (filme).

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Caio Coletti
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Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

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