Em 2021, as melhores séries são semanais (de novo)

Caio Coletti
5 min readFeb 6, 2021

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‘WandaVision’, do Disney+, reintroduziu fãs ao universo Marvel — em episódios semanais

A era da maratona acabou — ou, pelo menos, está acabando.

Desde a ascensão da Netflix como a principal produtora de entretenimento televisivo do planeta, de 2013 para cá, o formato da série de TV estava em crise. Ou melhor, em transformação.

A plataforma de streaming não inventou a maratona de séries: devotos da pirataria ou dos DVDs estavam bem acostumados com ela há muito tempo. Mas, ao cooptar o formato e até o termo, e ao lançar as suas produções colossalmente populares com uma temporada completa de uma vez, ao invés de episódios semanais, a empresa de Ted Sarandos reestruturou a forma como a conversa em torno de séries de TV se dava na cultura pop.

Apesar do sucesso, no entanto, essa reestruturação não veio sem seus revezes.

É impossível tirar os olhos de Lauren Ambrose em ‘Servant’, da Apple TV+

Há um motivo pelo qual séries de TV, desde mais ou menos o advento da mídia, lançam um episódio por semana — e não se trata (apenas) de uma limitação de formato ditada pelo mundo anacrônico da programação linear, em contraponto ao streaming, que dispõe os capítulos para o cliente ver e rever quando e onde quiser.

Não, o formato do lançamento semanal também funciona porque permite que uma série fique no imaginário do público por mais tempo, que mais conversas sobre ela sejam desenvolvidas, que a sua reputação seja construída com o passar de cada pedacinho de narrativa que nos é apresentado.

Jogue dez pedras pequenas em um lago plácido, uma de cada vez, em intervalos de dez segundos; depois, jogue uma única pedra, uma única vez, mas dez vezes maior. Observe em qual das duas vezes, contando a partir do primeiro impacto, as águas do lago ficaram mais agitadas por mais tempo. Não é um conceito difícil.

O sucesso progressivo de ‘Zoey’s Extraordinary Playlist’ não deixa mentir

De fato, é um conceito tão simples que até mesmo os serviços de streaming nunca embarcaram totalmente na onda da “maratona”. Com exceção do Amazon Prime Video (e, mesmo assim, não é uma política geral, como o segundo ano de “The Boys” deixou claro), a lista dos que normalmente não lançam temporadas completas, ou ao menos empregam modelos mistos, é bem maior: Hulu, CBS All Access, Apple TV+, HBO Max… e, essencialmente, Disney+.

Ignorar o poder da casa do Mickey de ditar tendências culturais é besteira. O leque gigantesco de marcas e franquias que o estúdio tem sob a sua tutela garante que os seus lançamentos, e as estratégias que eles empregam, deem forma à cultura pop como a experimentamos na atualidade. Podemos discutir se isso, esse quase monopólio, é bom ou não (dica: não é), mas não podemos negar a realidade.

E a aposta do Disney+ na programação semanal, especificamente com “The Mandalorian” e, agora, “WandaVision”, é reveladora. É a consolidação da ideia de um retorno a outra era da produção e, mais interessantemente, de narrativa televisiva — e essa ideia é contagiosa.

‘The Lady and the Dale’, da HBO, emissora que nunca desistiu do formato linear

“WandaVision”, com seus episódios rápidos (todos abaixo de 30 minutos, se você descontar os créditos), sua brincadeira conceitual com sitcoms antigas e seu amplo mistério que tem deixado os fãs da Marvel atentos a cada frame, é um exemplo perfeito de como a televisão semanal funciona em favor de uma boa história.

Tivesse lançado todos os seus capítulos de uma vez, “WandaVision” seria como um bombom barato: você o compra, abre a sua embalagem brilhosa, coloca na boca, mastiga, engole. Tudo em menos de um minuto. Gostoso, talvez, mas você não vai ficar pensando naquele bombom pelo resto do dia.

No formato semanal, ela teve a permissão de respirar e, eventualmente, alçar voo. Assim, é possível saborear com cuidado e verdadeira satisfação a ousadia da série em misturar comédia referencial com dicas e vestígios de estética de terror. E, aliás, saber que a cada sexta-feira um pedacinho a mais desse mistério será desvelado faz com que eu fique pensando em “WandaVision” (e falando sobre “WandaVision”) a semana toda.

2021, nesse primeiro mês e alguns dias, já se mostrou cheio de prazeres parecidos.

Penso na tensão e no grotesco de “Servant”, série de M. Night Shyamalan para a Apple TV+, na expectativa de ver que pedaço da loucura humana Lauren Ambrose vai expor a cada semana na tela, em uma performance fora da caixinha que seria um deleite distintamente menor se eu pudesse vê-la, inteira, em uma ou duas tardes na frente do computador.

Penso na história de luto e recuperação complicada, corajosa e (sim!) divertida de “Zoey’s Extraordinary Playlist”, cujas emoções se desenrolam com delicadeza com o passar dos capítulos, permitindo que o espectador a use como um apoio em sua própria jornada de pesar, esteja ela em qual estágio for, se ele assim desejar.

Penso no horror social de “The Stand”, que estende seus tentáculos para o presente de forma muito mais lânguida em seu formato semanal; na fascinação e inteligência de “The Lady and the Dale”, que mostra que uma obsessão documental é ainda melhor se você pode esticá-la por semanas, ao invés de devorá-la indiscriminadamente em uma maratona.

A Netflix, enquanto isso, ainda na crista da onda do sucesso meteórico de “Bridgerton”, lançada no final do ano passado, só teve um grande hit em 2021 até agora: a francesa “Lupin”, uma série charmosa e rápida (apenas 5 episódios na primeira parte) que, acredite em mim, também é muito mais gostosa se consumida aos pouquinhos.

Nas minhas contas, goleada de um formato em cima do outro. E é uma vitória que será recebida de braços abertos por qualquer um que ame TV.

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Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

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