“GDLK” mostra como traçar a história de uma arte no século 21
GDLK (High Score, EUA, 2020)
A forma como contamos a história de uma arte é, como a forma que contamos a história de qualquer coisa, moldada pelo tempo que estamos vivendo quando a contamos. “GDLK”, série documental da Netflix que dá um primeiro passo vigoroso, dentro do mainstream, para a historiografia do videogame como arte, colhe com gosto as benesses de ter sido produzida em pleno 2020.
Porque a história de toda arte, sem qualquer exceção, é repleta de diversidade. Como empreendimento e impulso humano universal, a arte sempre foi e sempre será o domínio de pessoas de todos os lugares, etnias, gêneros, culturas e estilos do mundo. A falácia de que a diversidade se tornou pauta de qualquer arte só na atualidade é risível para qualquer pessoa que sabe o mínimo do mínimo da história de qualquer arte.
Mas a forma como contamos essa história, por outro lado, pode ser enganadora. Até hoje, por exemplo, lutamos contra a noção, largamente aceita, de que o cânone do cinema foi construído por homens brancos cis-heterossexuais, e que homens brancos cis-heterossexuais são os únicos cuja obra merece ou mesmo pode ser conhecida hoje em dia, e os únicos que podem ser chamados de “mestres”.
Às vezes, essa ideia vem disfarçada da noção falsa de que mulheres, negros, latinos, muçulmanos, gays, lésbicas, bissexuais, pessoas transgênero, não tiveram a oportunidade de construir suas obras e se inserirem no cânone ainda. Mas tiveram, sim — só que ninguém te contou isso. Em relação ao mundo dos videogames, “GDLK” faz o favor de contar, para qualquer fissurado pela mídia que quiser ouvir.
Empregando um estilo de narração leve, calcado na genuína curiosidade de conhecer e contar as histórias de seus entrevistados e de suas criações, a série costura a trajetória dos games como arte e indústria com a história da luta por direitos civis de diferentes minorias no Ocidente e no Oriente. Não é um esforço tão grande assim: o que o criador France Costrel faz é apenas se livrar da cegueira, proposital ou aprendida, da maior parte dos indivíduos inseridos na comunidade.
“GDLK” pinta com cuidado um retrato da história do videogame como uma válvula de escape, sim, mas também uma assistência essencial para pessoas que queriam contar as suas histórias, colocar quem elas são (ou eram) em um lugar onde essa essência poderia ser dividida com outros. Enfim, pinta o videogame como arte por excelência, sem perder nem o bom humor, nem o fio da meada do arco que desenha entre os episódios.
É verdade que este é um documento incompleto. São apenas seis episódios de pouco mais de meia hora, e a história acaba em um momento (o desenvolvimento do atirador em primeira pessoa em 3D) onde milhares de possibilidades e transformações ainda estavam para ser exploradas. Mas nenhum primeiro rascunho de história é perfeito — este, ao menos, é um rascunho honesto.
9/10
Onde ver: Netflix.