“Made for Love” satiriza os chavões da distopia, mas fala sério sobre abuso psicológico

Caio Coletti
2 min readMay 6, 2021

--

MADE FOR LOVE, 1ª TEMPORADA (EUA, 2021)

A ficção científica é fascinada por futuros definidos pelo controle. Muitas das grandes distopias do gênero retratam uma sociedade arruinada por uma vontade inveterada de controlar: as emoções humanas, os pensamentos, as relações, os atos, os talentos, os movimentos, as comunidades.

Não há muito de novo na visão de futuro de “Made for Love”, portanto — a sua genialidade inicial, como premissa, é traçar uma linha direta entre esse controle tecnocrático das distopias e o controle psicológico de um relacionamento abusivo. Puxar o universal, o social, para o íntimo.

Mérito da escritora Alissa Nutting, que conectou os pontos entre essas duas esferas narrativas em seu livro de 2017 e ainda ajudou o roteirista Patrick Somerville (“Maniac”) a adaptá-lo para a TV.

Reunindo um time predominantemente feminino por trás das câmeras (Somerville e Dean Bakopoulos são os únicos roteiristas homens, e todos os episódios têm mulheres na direção), “Made for Love” escancara de forma sensível, mas desbocada, todo um novo significado para os chavões controladores da ficção científica futurista.

É especialmente certeira a forma como a série confronta a incongruência das tecnologias que apresenta (um microchip na cabeça de um golfinho, que vive em uma piscina na casa de um bilionário!) com o ridículo da vida enclausurada que Hazel (Cristin Milioti) vivia quando estava casada com Byron (Billy Magnussen).

Adotando o tom de sátira em seu exagero futurológico, “Made for Love” expõe o lado maliciosamente incoerente da relação abusiva, da “acessorização” do indivíduo abusado e da sua diminuição como agente do próprio destino. É um paralelo arrepiante, que evoca questões tanto sobre a nossa relação com os afetos que construímos quanto com a tecnologia que consumimos.

Essa mensagem multifacetada ainda encontra encarnação perfeita nas performances nervosas, mas perfeitamente moduladas, de Milioti e Magnussen. Ambos se armam de personas com as quais já estão confortáveis (ela, a protagonista romântica neurótica; ele, o babaca privilegiado que nunca ouviu “não”), as tiram ligeiramente do eixo, e constroem entre si uma dinâmica antagônica galvanizante.

Não a toa, “Made for Love” confia muito nas cenas entre os dois para comunicar as nuances e subtextos da relação de Hazel e Byron. Sua coragem exemplar de não nos apresentar um abusador nem uma abusada “perfeitos”, arquetípicos, ainda abre os olhos para abusos silenciosos, com os quais ainda não sabemos exatamente o que fazer como sociedade.

9/10

--

--