Meus 10 melhores filmes da década (e +60 quase tão bons quanto)

Caio Coletti
10 min readDec 12, 2019

--

Embora minha paixão por cinema não seja exatamente datável, é possível dizer que um dos incidentes que a consolidaram foi o Oscar 2010 - o primeiro que eu acompanhei realmente de perto, e o primeiro em que achei com quem discutí-lo nas redes sociais.

Os grandes filmes daquela edição do prêmio da Academia (Guerra ao Terror, Bastardos Inglórios, Distrito 9…) não podem entrar nessa lista, já que foram lançados em 2009, mas sua importância na minha jornada demonstra que esta é a primeira década em que eu posso, com alguma consistência, criar uma lista compreensiva de melhores filmes.

Alguma, eu digo, porque é impossível uma lista individual de filmes preferidos comportar o tamanho e a diversidade da produção cinematográfica humana nos últimos dez anos. O que conseguimos ver, e do que conseguimos gostar, é inevitavelmente um copo d’água retirado de um vasto oceano, e um copo d’água muito específico - ditado por tudo, de gostos pessoais a acesso cultural, passando por disponibilidade de tempo e variedade de interesses.

Esta lista representa o que flutuou para a superfície do meu copo d’água. Aqui estão todos os 70 filmes desta década que eu vi e considerei excelentes (todos os meus 10/10), rankeados, e algumas considerações sobre os 10 primeiros.

  1. O Ato de Matar/O Peso do Silêncio (Joshua Oppenheimer, Christine Cynn, Anonymous)

Eu não testemunhei feito mais monumental de cinema do que O Ato de Matar na década de 2010. Ao retratar de forma abrangente, e de um ponto de vista atual, a atuação de líderes de esquadrões da morte que exterminaram milhões na Indonésia, o trio formado por Joshua Oppenheimer, Christine Cynn e um cineasta anônimo mostrou a realidade da história como uma trama contada pelos vencedores, e brutalizou este conceito intelectual de tal forma que sua cena final é capaz de causar mal-estar físico mesmo só em lembrança.

É impossível falar de O Ato de Matar, no entanto, sem falar também de O Peso do Silêncio, o “filme-irmão” que Oppenheimer dirigiu (desta vez, sozinho) em 2014. Aqui, ele continua a revelação do horror causado pela história da Indonésia, expõe o tácito não reconhecimento dele no dia a dia do país, e analisa seu efeitos em um presente tenso, nervoso — se O Ato de Matar é um soco na boca do estômago, O Peso do Silêncio é um mapeamento do estrago que ele deixou. Juntos, são os filmes mais importantes (documentário ou não) da década.

2. Moonlight: Sob a Luz do Luar (Barry Jenkins)

Muito além de sua vitória histórica no Oscar, ou das bizarras circunstâncias que a envolveram, Moonlight: Sob a Luz do Luar triunfou pela capacidade expressiva única do seu diretor, Barry Jenkins. Talvez o melhor cineasta revelado nos anos 2010, Jenkins consegue alcançar, visualmente, a expressão pura dos sentimentos de sua trama — assim, os longas que ele assina parecem mais leves da responsabilidade de dizer tudo de importante que podem ou querem dizer: porque ele, Jenkins, já está mostrando.

Com Moonlight, especificamente, esta expressão é a da busca eterna pela conexão em meio a um mundo que só faz alienar. Sem pedância, Jenkins e o roteirista Tarell Alvin McCraney costuram destinos e escolhas com a percepção sensitiva do protagonista em três fases da vida. Em tesão e ternura, esperança e desespero, Moonlight esmiúça identidades e particularidades de forma que só ele foi capaz de fazer nesta década.

3. Boyhood: Da Infância à Juventude (Richard Linklater)

Muito se discutiu, na época do lançamento de Boyhood e durante a sua campanha para o Oscar, o quanto o filme de Richard Linklater devia seu sucesso crítico sem precedentes apenas ao formato inovador. O longa foi, afinal, famosamente filmado no decorrer de 12 anos, acompanhando o crescimento e envelhecimento de seus atores. Visto daqui, do fim da década, no entanto, é difícil negar que Linklater venceu este argumento — o formato não é o que faz de Boyhood um filme especial.

Ao invés disso, o que o torna marcante é a história que Linklater decidiu contar nos moldes únicos que escolheu. O grande cineasta norte-americano, pela própria estrutura das filmagens, renunciou a climaxes artificiais e criou um longa sobre os momentos pequenos que nos definem, as conversas inócuas que depois ressoam como temas na nossa vida, e (sim) a passagem inexorável do tempo que nos empurra, por quais meios que sejam, para as conclusões e recomeços.

4. Bacurau (Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles)

Bacurau é um daqueles filmes que acontece muito raramente para a produção de um país. Nele, Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles fazem uma síntese de várias amplitudes: da identidade cinematográfica, artística, cultural, social do Brasil. Brincando com a ficção científica, eles usam a potência do gênero para oferecer um resgate de ordem histórica e sentimental, atiçando um senso de comunidade e uma fúria quase debochada que fazem parte do DNA brasileiro.

Mesmo sem contar suas entrelinhas, no entanto, Bacurau é extraordinário pelo que faz na superfície também. Trabalhando o kitsch na elaboração visual e construindo personagens que se tornam instantaneamente icônicos, tanto pelas performances precisas de atores como Sônia Braga e Silvero Pereira quanto por seus simbolismos e aparências, é uma obra em que a equipe demonstra domínio absoluto da forma cinematográfica — e é também o filme brasileiro da década.

5. Corra! (Jordan Peele)

A transformação de Jordan Peele de astro da comédia em maestro do terror foi uma das mais surpreendentes da década, mas assistir a Corra! hoje em dia é perceber que o pulo não foi tão improvável assim. Vive no longa de Peele um espírito de sátira (no sentido original do termo, de depreciação ferina da realidade) que vivia também em seus esquetes de comédia com o parceiro Keegan Michael-Key, embora o conhecimento do cineasta das convenções do horror e como usá-las ou distorcê-las também esteja claro.

Tal e qual os melhores satiristas, e os melhores contadores de histórias de terror, Peele usa a fantasia e o absurdo em Corra! como uma extrapolação das realidades que quer expor. O longa conjura genuína ansiedade social com personagens grotescos, mas próximos demais do mundo real, encontrando sua expressão mais marcante no rosto enclausurado do extraordinário Daniel Kaluuya, com lágrimas descendo pelo rosto.

6. Homem-Aranha no Aranhaverso (Bob Persichetti, Peter Ramsey, Rodney Rothman)

Nessa década, o cinema viu a dominação sem precedentes dos super-heróis em Hollywood — e cinco (cinco) longas do Homem-Aranha fizeram parte dessa avalanche. Com tanta saturação, fica difícil imaginar que um novo olhar sobre o Aracnídeo de Nova York seria não só o melhor filme de heróis da década, como um dos melhores filmes da década, ponto. Homem-Aranha no Aranhaverso provou que difícil não é impossível, e trouxe uma visão vibrante, com profundas referências culturais e propósitos sociais, para a tela.

Poucos longas foram tecnicamente mais perfeitos nesta década. Os trabalhos de design de produção e de edição (animações também têm montagem!) saltam aos olhos pela pura criatividade e dinamismo. Ademais, Aranhaverso é audacioso na forma como se apossa do mito do super-herói para transformá-lo em arma, com a intenção clara de alargar as possibilidades do mundo real através da fantasia. Missão nobre cumprida com primazia.

7. Em Chamas (Lee Chang-dong)

Em Chamas é uma obra-prima de controle. Um filme de 2h30 que se move em ritmos oscilantes e deliberados, ele só poderia ter sido dirigido por Lee Chang-Dong, que toma as rédeas da narrativa e a conduz com precisão. Um drama de personagem que se transforma lentamente em thriller urbano, é também um estudo de desigualdades sociais que empresta de O Grande Gatsby e Psicopata Americano, desnudando um de seu romantismo, e outro de sua sátira.

Por fim, Em Chamas tem Steven Yeun em uma das performances mais inteligentes da década. O ator coreano equilibra aquela qualidade inefável que só os astros de primeira grandeza possuem, aquele carisma e luminosidade em frente à câmera, com uma frieza por trás dos olhos e uma deliberação em cada movimento que esconde camadas inteiras de significado. É impossível tirar os olhos dele, ou do filme, e Em Chamas acaba passando tão rápido, embora com infinitamente mais impacto, quanto qualquer fogo de palha.

8. Mad Max: Estrada da Fúria (George Miller)

O anti-blockbuster em todos os sentidos nos quais blockbuster’s são normalmente atacados pelos “entendidos de cinema”, Mad Max: Estrada da Fúria é espetacularmente específico, foge do genérico e das decisões fáceis com a mesma obstinação com a qual Furiosa e companhia fogem do vilão Immortan Joe. Criticado por ter uma trama “simples demais”, no entanto, Estrada da Fúria tem também potência narrativa.

Primeiro, a construção de mundo do longa é prodigiosamente eficiente e integrada à narrativa. E seu discurso social, intimamente entrelaçado à construção dos personagens, é afiado como poucos — além de ser, com sua discussão sobre roubo e posse de identidade, de corporalidade, muito atual. Um prodígio técnico que marcou também seus temas e emoções profundamente no glossário cultural da década, Estrada da Fúria é inesquecível.

9. Carol (Todd Haynes)

Raramente um cineasta realiza uma obra tão definidora de sua carreira quanto Todd Haynes fez com Carol. O choque entre clássico e rebelde, que sempre marcou em paradoxos a obra de Haynes, encontra sua encarnação mais perfeita neste longa tão subversivo quanto é academicamente, convencionalmente belo.

Subversivo, principalmente, por apostar no retrato direto de um romance lésbico nos anos 1950, e não se submeter a clichês trágicos para simular impacto emocional. A angústia em Carol, quando ela surge, é mais real por ser tingida de triunfo, de realização. Nas microfragilidades excepcionais de uma Cate Blanchett que é um monumento em tela, envolvida em casacos de pele enormes e com seu cabelo de estrela de cinema, Carol reflete superfícies e profundidades de uma forma que ninguém sabe fazer melhor do que Haynes.

10. O Conto (Jennifer Fox)

Uma das jornadas cinematográficas mais inventivas da década foi parar direto na TV. A HBO comprou os direitos de O Conto e exibiu sem passagem pelos cinemas, o que de forma alguma diminui o impacto, a coragem ou a maestria de sua feitura. Dolorosamente autobiográfico e ousado na forma como encara de frente o tema do abuso sexual infantil, é um filme de recursos aparentemente infindáveis, que está sempre em busca da forma mais pura de expressar suas emoções complexas.

Com uma Laura Dern que quebra as algemas de seus papéis mais recentes (transformados em “memes”, merecidamente, por serem deliciosamente kitsch), e uma dupla de coadjuvantes dotada de disponibilidade emocional notável (Elizabeth Debicki e Jason Ritter), O Conto é uma obra difícil, inevitavelmente incompleta — mas é também um dos impulsos artísticos mais puros da década.

… E mais 60:

11. Amor (Michael Haneke)

12. Domando o Destino (Chloé Zhao)

13. Visages, Villages (Agnès Varda)

14. A Rede Social (David Fincher)

15. Dor e Glória (Pedro Almodóvar)

16. Cópia Fiel (Abbas Kiarostami)

17. Me Chame Pelo Seu Nome (Luca Guadagnino)

18. As Aventuras de Pi (Ang Lee)

19. Trama Fantasma (Paul Thomas Anderson)

20. A Chegada (Denis Villeneuve)

21. Divertida Mente (Pete Docter)

22. Roma (Alfonso Cuarón)

23. Projeto Flórida (Sean Baker)

24. O Artista (Michel Haznavicius)

25. Como Treinar o Seu Dragão 2 (Dean DeBlois)

26. Corrente do Mal (David Robert Mitchell)

27. A Forma da Água (Guillermo Del Toro)

28. Nós (Jordan Peele)

29. O Processo (Maria Augusta Ramos)

30. The Hunting Ground (Kirby Dick)

31. Selma: Uma Luta Pela Igualdade (Ava DuVernay)

32. Oitava Série (Bo Burnham)

33. Que Horas Ela Volta? (Anna Muylaert)

34. Homecoming (Beyoncé Knowles-Carter)

35. A Viagem (Tom Tykwer, Lana Wachowski, Lilly Wachowski)

36. Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi (Dee Rees)

37. 12 Anos de Escravidão (Steve McQueen)

38. Star Wars: Os Últimos Jedi (Rian Johnson)

39. Pantera Negra (Ryan Coogler)

40. Frances Ha (Noah Baumbach)

41. Lady Bird: A Hora de Voar (Greta Gerwig)

42. Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Alejandro González Iñárritu)

43. Garota Exemplar (David Fincher)

44. Mistress America (Noah Baumbach)

45. Três Anúncios Para um Crime (Martin McDonagh)

46. Mulher-Maravilha (Patty Jenkins)

47. Loving (Jeff Nichols)

48. Trapaça (David O. Russell)

49. O Quarto de Jack (Lenny Abrahamson)

50. A Espiã que Sabia de Menos (Paul Feig)

51. Os Oito Odiados (Quentin Tarantino)

52. A Bruxa (Robert Eggers)

53. Kubo e as Cordas Mágicas (Travis Knight)

54. Cisne Negro (Darren Aronofsky)

55. Em Busca da Fé (Vera Farmiga)

56. Hereditário (Ari Aster)

57. As Vantagens de Ser Invisível (Stephen Chbosky)

58. Jackie (Pablo Larraín)

59. Mãe! (Darren Aronofsky)

60. Spotlight: Segredos Revelados (Tom McCarthy)

61. O Regresso (Alejandro González Iñárritu)

62. Capitão América: Guerra Civil (Anthony & Joe Russo)

63. O Grande Hotel Budapeste (Wes Anderson)

64. Um Limite Entre Nós (Denzel Washington)

65. Quem é JonBenet? (Kitty Green)

66. Nasce Uma Estrela (Bradley Cooper)

67. Sala Samobójców (Jan Komasa)

68. Vingadores: Ultimato (Anthony & Joe Russo)

69. Poderia Me Perdoar? (Marielle Heller)

70. O Grande Gatsby (Baz Luhrmann)

--

--

Caio Coletti
Caio Coletti

Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

No responses yet