Minhas 10 melhores minisséries da década (e +14 quase tão boas quanto)

Caio Coletti
9 min readDec 27, 2019

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A arte da minissérie pode estar em processo de extinção na TV norte-americana atual, que insiste em esticar propostas como Big Little Lies, que eram originalmente pretendidas para aparições únicas nas programações. A proliferação deste tipo de investida comercial, no entanto, não apaga o fato de que a minissérie é um animal completamente diferente da série tradicional.

Enquanto o jogo de manter uma série no ar por múltiplas temporadas geralmente exige algum tipo de negociação de expectativas com o espectador, e uma evolução natural dos objetivos e tons da narrativa, a minissérie é, por sua natureza, uma obra fechada. As decisões criativas já estão feitas quando o primeiro episódio vai ao ar, e a clareza de visão desde o início é mais crucial do que nunca.

Abaixo, tentei celebrar o melhor do que eu vi em matéria de minisséries nesta década. Algumas(Patrick Melrose, Watchmen) ainda têm um fantasma de renovação indesejada pairando sobre elas, mas sairão dos anos 2010 como obras finalizadas — e brilhantes.

  1. Olhos Que Condenam (Netflix)

O triunfo de Olhos Que Condenam é ser tão meticulosamente idealizada e realizada que faz o espectador sentir, mesmo que por quatro episódios de em torno de uma hora, o clima opressivo e a desesperança absurda em que viveram os cinco garotos presos injustamente por um estupro/assassinato no Central Park, em Nova York, nos anos 1980. Por extensão, faz sentir (de novo, na medida do possível para quem não vive essa realidade) o clima opressivo e a desesperança absurda com os quais jovens negros em todo o mundo convivem, o fantasma de uma injustiça que pode arruinar o seu futuro a qualquer momento.

Ava DuVernay, uma das revelações mais brilhantes da década no cinema e na TV, conduz Olhos Que Condenam com austeridade e delicadeza, encontrando maneiras engenhosas de expressar a via crúcis de seus personagens, e uma compreensão íntima dela. A urgência e a excelência da peça de TV que ela criou aqui elevam Olhos Que Condenam a um patamar todo seu na categoria de minisséries desta década.

2. Patrick Melrose (Showtime/SKY)

O vício sempre foi um tema rico para narrativas ficcionais (ou nem tanto), mas a década de 2010 viu o cinema encarando-o mais de frente, buscando entendê-lo de suas origens a sua superação, não da forma melodramática e idealizada, como a mídia já fazia antes, mas com uma sombra de realidade e uma melancolia controlada. Patrick Melrose foi a melhor dessas narrativas contemporâneas sobre vício, de longe. Foi também um dos tratados mais agudos sobre abuso sexual que o cinema e a TV viram nos anos 2010, tem uma das atuações mais colossalmente expressivas da década (a de Benedict Cumberbatch no papel título) e é dirigida com energia alucinante por Edward Berger.

Inspirada pelos livros semi autobiográficos de Edward St. Aubyn, a minissérie é inacreditavelmente precisa na forma como une, como elos de uma mesma corrente, o trauma da infância do protagonista, seu vício e seu comportamento não só cínico como profundamente antagonístico em relação àqueles a sua volta. O golpe de mestre de At Last, último capítulo da série, é fazer Patrick perceber o quanto o sarcasmo e o niilismo foram facilitadores do seu sofrimento, ao invés de defesas contra ele.

3. Mrs. Wilson (BBC)

Mrs. Wilson parecia destinada a examinar, de forma reverente, temas de conexão familiar e conjugal. Afinal, a minissérie trouxe Ruth Wilson estrelando uma dramatização da história real de sua própria avó, que descobriu após a morte do marido que ele mantia não uma, mas várias outras famílias por todo o Reino Unido. Ao fazer essa viagem ancestral, no entanto, Wilson teve a certeza de se cercar de pessoas que pudessem ver além da conexão pessoal e imprimir um ritmo deliberado, e uma claridade temática, à história.

A roteirista Anna Symon é o coringa da minissérie neste sentido. Ela cria uma narrativa costurada em exaspero, que entende com profundidade não só a situação da protagonista, mas o que ela tem de comum, e o que a conecta com as outras mulheres que seu marido deixou para trás. Sem contar que uma Ruth Wilson à flor da pele não é um elemento a ser subestimado — ela é, afinal, uma das melhores atrizes a trabalhar na TV nesta década.

4. The Virtues (Channel 4)

Se você buscava inovação de linguagem no campo das minisséries nesta década de 2010, The Virtues foi sua melhor pedida. Com liberdade criativa graças ao sucesso de This is England, Shane Meadows criou uma história profundamente pessoal, contada tanto através de recursos não-verbais e elaborações atmosféricas quanto através de diálogos e ações. Fazendo-nos sentir as distâncias percorridas por seu protagonista com longas cenas de caminhadas, por exemplo, Meadows conseguiu sublinhar a gravidade do material que abordava na narrativa.

No papel principal, Stephen Graham entrega um desempenho profundamente sentido, mas também perfeitamente calculado. Seu Joseph é cheio de trejeitos únicos e modulações surpreendentes — ele é especialmente elétrico quando colocado ao lado da excelente Helen Behan, cujo estilo de performance é bem mais natural que minucioso. Usando recursos visuais com sabedoria, Meadows criou uma trama que não precisa ser verbalmente articulada para expressar sentenças profundas sobre trauma, emocional e físico, e o quanto é difícil evitar que ele dite nossas ações indefinidamente.

5. Sharp Objects (HBO)

Sharp Objects não é uma obra fácil. Dividida em oito episódios, essa adaptação do livro de Gillian Flynn expandiu e esticou a trama literária ao passar muito mais tempo definindo a atmosfera da cidadezinha de Wind Gap, em todas as suas implicações infecciosas para as pessoas que vivem nela, do que estabelecendo o mistério central ou perseguindo-o com particular energia. O resultado, nas mãos do diretor Jean-Marc Vallée e da criadora Marti Noxon, é uma obra-prima de observação afiada, que esconde profundidades insuspeitas em sua elaboração pulp.

No papel de Camille Preaker, Amy Adams entrega uma das performances mais hipnóticas e detalhistas da TV nesta década. Sua postura e seus movimentos falam tanto quanto o seu rosto ou seus diálogos, e a dinâmica da contida Adams com a expansiva Patricia Clarkson, angulosa em seu retrato intenso, mas nunca histérico, de uma mulher envenenada por si mesma (ironicamente), é excitante de se acompanhar. Para quem se deixou envolver por seu ritmo opressivo, de novela contida em platitudes, Sharp Objects foi um dos pedaços de ficção mais iluminadores na TV desta década.

6. The Keepers (Netflix)

Esta criação do documentarista Ryan White é a prova que a TV documental, assim como o cinema, tem tanta capacidade para arcos narrativos quanto sua contraparte ficcional. White é genial na forma como recorta e conduz a história da investigação em torno do assassinato de Irmã Cathy, uma freira que morreu em 1969 no estado de Maryland, nos EUA. Enquanto este caso se desdobra de forma perversa em outros traumas e segredos enterrados, The Keepers mostra a sua potência como pedaço de narrativa que não se limita a usar o real — embora sempre o respeite.

Ao invés disso, White transforma com habilidade esta história real em uma tese bem observada sobre a memória, seu papel na construção social e íntima, a tragédia de sua perda com o passar dos anos, especialmente quando a justiça não foi feita. The Keepers é gráfico, e incômodo, e por vezes assustador — mas termina em uma nota de esperança, um clamor pelo fim do sufocamento de vozes que passaram décadas, aqui e em tantos outros casos ocorridos no mesmo contexto social, estritamente suprimidas.

7. Watchmen (HBO)

Poucos produtos que carregam um nome tão conhecido para a cultura pop quanto Watchmen entendem o espírito da obra original como esta minissérie de Damon Linfdelof. A produção usa a série em quadrinhos de Alan Moore e Dave Gibbons como um ponto de partida para uma história separada, mas conectada temática e narrativamente com a original. Mais impressionante, no entanto, é como Lindelof foi capaz de olhar para Watchmen, para o que ela representa e o que ela quis dizer desde que foi lançada, lá no final dos anos 1980, isolar as suas deficiências de representação e trazer o seu subtexto para os holofotes de uma maneira única e impactante.

Com a ajuda de um time diverso de roteiristas, diretores e atores, Lindelof inverteu (sem trair) a tensa dinâmica política da história de Moore e Gibbons. A série entende, também, que o mundo construído por Watchmen é aquele em que tomar controle do seu destino é um luxo de poucos. A minissérie se deleita em desvendar os passados de seus personagens, em episódios estilisticamente ousados, porque sabe o quão decisivo é que entendamos de onde essas pessoas vieram, e em quantas dimensões elas não conseguem controlar para onde vão. O relógio nunca para de tiquetaquear, e estamos aqui só de carona nos ponteiros dele.

8. The Little Drummer Girl (BBC/AMC)

A década de 2010 veio recheada de diretores consagrados do cinema querendo fazer o pulo para a televisão. Poucos destes “transplantes”, no entanto, foram tão bem-sucedidos quanto The Little Drummer Girl, minissérie em que todos os episódios foram dirigidos pelo mestre coreano Chan-wook Park (Oldboy, A Criada). A energia visual do cineasta, que cria belíssimas composições com cores, posicionamento de atores e iluminação, incendeia a narrativa e realça a sua precisão logística frente ao caos acertadíssimo que ela monta ao retratar o conflito entre Israel e Palestina.

Crédito também para Michael Lesslie e Claire Wilson, que entendem a ambiguidade moral do trabalho do novelista John Le Carré, e o quão atual e urgente ela é para entender um dos conflitos armados mais complexos da nossa (ou de qualquer) era. The Little Drummer Girl está sempre reconsiderando sua moralidade, as alianças de seus personagens, seus valores dentro e fora da trama, suas intenções — enervante como isso pode ser, é também o tom certo para contar essa história, e uma corda bamba que só empodera atores já poderosos, como Florence Pugh, Michael Shannon e Alexander Skarsgard, que entregam aqui alguns de seus melhores trabalhos até hoje.

9. The War of the Worlds (BBC)

O constante impulso por adaptações de clássicos literários da BBC serve, em seus melhores momentos, para avaliar o quanto essas obras eternizadas como “importantes” na história se tornaram ou podem se tornar contemporâneas, mesmo que a época em que se passam originalmente seja respeitada. De fato, The War of the Worlds, a minissérie, é uma das raras adaptações de A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, que escolhe ambientar a história onde ela foi originalmente descrita, na Inglaterra do começo do século XX — e poucos contos sobreviveram melhor à modernidade do que este.

Nas mãos do roteirista Peter Harness e do diretor Craig Viveiros, esta é uma história propulsiva de desafio a normas sociais, contestação ao colonialismo, triunfo científico. É também uma história de amor de quebrar o coração entre Amy (Eleanor Tomlinson) e George (Rafe Spall), o que nos mantém engajados pelos seus afiadíssimos três episódios, completos com efeitos especiais de ponta como poucas vezes vimos na TV, mesmo na década de 2010, em que o escopo das produções nesta mídia explodiu.

10. The Act: 1ª temporada (Hulu)

Patricia Arquette está aterrorizante na primeira temporada de The Act, produção antológica da Hulu que, em sua estreia, acompanhou a história real de Gypsy (Joey King), uma garota que é obrigada a se fingir de doente pela mãe, Dee Dee. Ela não é o único elemento de horror na produção, no entanto — o criador Nick Antosca, que também trabalhou em Hannibal e Channel Zero, tem experiência no gênero, e foi esperto ao criar um pastiche de terror para relatar uma história com muitas ramificações sérias, mas ainda mais apelo kitsch.

A série é tão afiada como exploração do grotesco e do desconhecido como fonte de suspense quanto é na forma em que se embrenha por questões sociais. Em sua primeira temporada, The Act foi uma narrativa surpreendente sobre as expectativas criadas pela nossa cultura para a figura feminina, e a forma como, em um confronto com o mundo real, essas expectativas podem gerar consequências violentas. Feita com um controle de tom impressionante, e sempre abrindo espaço para os seus atores brilharem (King está genuinamente assombrosa em seus melhores momentos), foi uma estreia fabulosa na bem-servida seara das antologias.

… E mais 13:

11. The Haunting of Hill House (Netflix)

12. The Night Of (HBO)

13. The Witness For the Prosecution (BBC)

14. Feud: Bette and Joan (FX)

15. True Detective: 3ª temporada (HBO)

16. Les Misérables (BBC)

17. Howards End (BBC/Starz)

18. The People v. O.J. Simpson: American Crime Story (FX)

19. True Detective: 1ª temporada (HBO)

20. American Horror Story: Freak Show (FX)

21. The Honourable Woman (BBC/SundanceTV)

22. American Horror Story: Hotel (FX)

23. American Horror Story: Asylum (FX)

24. And Then There Were None (BBC)

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Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

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