Minhas 10 melhores séries da década (e +26 quase tão boas quanto)

Caio Coletti
9 min readDec 20, 2019

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Difícil argumentar contra a noção de que a TV é a mídia mais importante da nossa geração. Por mais fabuloso e diverso que o cinema possa ser, é na tela “menor” que estão concentradas as narrativas com maior impacto cultural não só, mas especialmente, da última década.

É um período que a posteridade talvez veja encapsulado (para o bem e para o mal) em Game of Thrones, sim, mas é também um período de fantásticas experimentações. Um período do surgimento de novos formatos, na produção, no consumo e na recepção da televisão - e um período de aceitação, na melhor das hipóteses, da vocação para profundidade que a mídia carrega.

Ficar de olho no que a TV está nos dizendo se tornou mais crucial do que nunca na década de 2010. Abaixo, eu elenco as 10 séries que falaram mais alto comigo, e 26 outras que chegaram perto.

P.S.: Para fazer algum tipo de seleção aqui, eu decidi que só contavam séries que exibiram mais de uma temporada nesta década. Logo, minisséries ficam de fora (provavelmente farei uma lista separada delas), e maravilhas como My Brilliant Friend e PEN15, que eu absolutamente recomendo, também.

P.S. 2: Nem deveria precisar dizer isso, mas vá lá. Essa é uma lista pessoal e minha grade, como a de todo mundo, tem buracos flagrantes. Nunca vi Breaking Bad ou Mad Men, por exemplo, e nunca terminei The Good Wife. Eu sei que deveria, e que essas e outras séries são maravilhosas. Mas eu tenho uma vida, sabe…

  1. The Americans (FX)

Se a Peak TV realmente se orgulha de criar dramas adultos, de qualidade técnica “cinematográfica” (o que quer que isso signifique hoje em dia), deveria se orgulhar mais de The Americans. Nenhuma outra série teve a mesma profundidade sociopolítica e emocional, e a mesma perspectiva sobre os lugares em que as duas coisas se interpõem, do que essa criação de Joe Weisberg e Joel Fields.

Usando a guerra fria e a dedicação de espiões soviéticos e agentes do FBI a suas respectivas causas e nações, The Americans trouxe uma reflexão dilacerante sobre o que se perde quando se entrega completamente a um movimento, uma missão. Difícil ser mais atual e urgente do que isso, mas Fields e Weisberg ainda acharam formas sábias de amarrar a essa temática uma reflexão sobre o amadurecimento, a fadiga e a frustração que vêm de lidar com os cantos mais escuros do mundo adulto, com todas as suas ambiguidades, por anos a fio.

2. Pose (FX)

Mesmo com todos os seus vícios e deficiências como contador de histórias, Ryan Murphy nasceu para fazer Pose. O produtor, roteirista e diretor norte-americano empresta a sua sensibilidade novelesca, a sua vontade infinita de abraçar diferentes gêneros e ideias, a uma história que precisava ser contada exatamente da forma extravagante, direta, que ele sempre empregou.

O caos de Murphy e seu parceiro habitual, Brad Flachuk, é amenizado pela excelência de Steven Canals, o cocriador de Pose, que segura as rédeas da trama para que ela não perca de vista a jornada integral, e fundamental, de seus personagens. Revolucionária na forma como retrata a vida de personagens LGBTQ+ no auge da epidemia da AIDS (com destaque merecido e sem precedentes, em número e autenticidade, para os personagens trans), exuberante em sua composição visual, dinâmica em sua direção, profundamente sentida em suas performances — Pose é tudo isso e (sempre) mais um pouco.

3. Mr. Robot (USA)

É possível que, mesmo não estando no topo da minha lista de melhores séries da década, Mr. Robot seja a série que definiu os anos 2010 com mais precisão. A obra seminal de Sam Esmail se desdobrou por um mundo em plena desconstrução, muito parecido com o nosso. Explodiu conceitos baratos e ingênuos de poder e revolução para examinar com olho clínico a verdade dolorosa, e especialmente as consequências inesperadas — pessoais, políticas, organizacionais — de um movimento como o encabeçado por Elliot (Rami Malek) na trama.

Fez isso, inclusive, estabelecendo uma linguagem de especificidade ainda rara na TV, repensando o que uma série pode ser, estruturalmente e visualmente, dentro da mídia em que se encontra. Confiando em uma equipe cujos trabalhos foram tão precisos e ousados quanto o dele na direção, Esmail criou uma joia rara no mundo do entretenimento: uma narrativa que nunca foi feita antes (não exatamente desse jeito, dizendo exatamente essas coisas), e que nunca poderá ser repetida.

4. Making a Murderer (Netflix)

Se Mr. Robot nos mostrou o que um mundo em desconstrução poderia ter de angustiante ou trágico, Making a Murderer foi a série mais eficiente, nesta década, em examinar a bagunça que ele já é. Para analisar a história de Steven Avery, as documentaristas Moira Demos e Laura Ricciardi se afogam (e nos afogam, mais importantemente) em burocracia, mostrando as idas e vindas lentas de um sistema de justiça desenhado, talvez em um estado de puro medo, para prender e manter na prisão o maior número de pessoas possível.

O clamor de inocência de Avery, no fim das contas, pouco importa para a verdadeira tese de Making a Murderer: com sua epopeia épica, Demos e Ricciardi querem nos mostrar que qualquer um poderia ser “refeito” na imagem de um assassino, se as pessoas no poder quisessem. Na resignação doída de Dolores Avery ou na determinação férrea de Kathleen Zellner, Making a Murderer realça o custo humano de toda essa burocracia, e sublinha a soberba daqueles que ainda acreditam nela.

5. Queen Sugar (OWN)

Em todas as mídias, a década de 2010 viu contadores de história buscando equilibrar consciência política, um fator cada vez mais decisivo para a boa reputação de suas produções e (em escala menor) o seu sucesso, com qualidade narrativa. Em Queen Sugar, a produtora Ava DuVernay e seu time excepcional de roteiristas, diretores e atores faz com que esse equilíbrio pareça fácil, e a chave para ele uma só: preocupação genuína com as questões sociais abordadas.

Em sua seriedade e seu frequente melodrama, Queen Sugar sabe como nenhuma outra série no ar, hoje em dia, costurar suas linhas narrativas ao redor de temas importantes sem perder o ímpeto emocional para eles. Em seus melhores momentos (que são muitos), atinge uma densidade excitante para o apreciador da boa televisão, examinando questões de legado racial e parental, masculinidade contemporânea e os caminhos distintos que levam ao empoderamento para mulheres presas dentro de um sistema que trabalha contra elas.

6. The Deuce (HBO)

Não é exagero ou maneirismo de linguagem descrever The Deuce como uma experiência “imersiva”. De fato, poucas vezes esse chavão crítico fez tanto sentido: assistindo aos episódios do épico de David Simon e George Pelecanos sobre a Nova York dos anos 1980 e a ascensão da pornografia, era possível respirar e viver naquela época, naquelas ruas e com aquelas pessoas. Parte disso é a excelência do time técnico, de figurino (Anna Terrazas, Jenny Hering, Hanna Shea) ao design de produção (Scott Dugan, Beth Mickle, Laurence Bennett), mas parte é também uma qualidade mais intangível.

Como todas as outras obras de Simon, The Deuce parece real em um sentido realçado que é particular das obras de ficção. Os personagens que ele constrói escapam de artificialidades, mas também representam algo maior do que a si mesmos — no fim das contas, são todos símbolos, mas também parecem mais próximos do que isso. A sutileza, consciência, insight e incansável profundidade do mundo construído pela equipe de The Deuce a cada episódio é prova de que uma grande obra de ficção se faz, acima de tudo, com esmero, e não com senso de espetáculo.

7. The Fall (BBC/RTÉ)

Não faltaram grandes histórias de serial killer para movimentar a televisão nos anos 2010, mas nenhuma é exatamente como The Fall, uma série que toma as decisões mais difíceis a cada curva do caminho, e prefere ser admirada pela coragem do que devorada como um bom thriller viciante. Isso porque, principalmente, a criação de Allan Cubitt se recusa a ceder ao clichê do assassino fascinante e charmoso, ou mesmo brincar com ele (como Hannibal fez, brilhantemente, nesta década).

Em The Fall, Paul Spector (Jamie Dornan) é um homem temível, talvez, capaz de enorme violência, mas especialmente repugnante — e, em última instância, patético. Melhor ainda, Cubitt cria uma heroína, em Stella Gibson (Gillian Anderson, inclementemente brilhante), que não cai na lábia do seu investigado. “Talvez ele fascine a você. Eu o desprezo com cada fibra do meu corpo”, diz ela a um colega de trabalho em um diálogo que poderia encapsular toda a série. Sem concessões ao médio ou ao convencional, The Fall é um dos maiores diamantes escondidos desta década.

8. The Crown (Netflix)

Da suntuosidade dos cenários à excelência das interpretações, The Crown é frequentemente saudada como a série mais tecnicamente perfeita que a Netflix já produziu. Eu argumentaria, no entanto, que o seu lugar aqui se deve a outro elemento: à profundidade, ao insight e à articulação perfeita do texto de Peter Morgan, criador e showrunner da série. Nenhuma outra produção televisiva atualmente (nem as que estão acima nesta lista) tem um texto tão profundamente compreensivo de uma situação tão profundamente única.

The Crown entende a condição da realeza, em sua incontestável humanidade, sem assumir ares fúteis. Articula e entrelaça as dificuldades de expressão, de amadurecimento de seus personagens, suas angustiantes repressões emocionais e desencontros intelectuais, com a habilidade de um costureiro nato. Enquanto ilumina a família real britânica, Morgan revela algo tremendamente verdadeiro sobre a nossa própria necessidade exagerada de encontrar e se apoiar em símbolos, estáticos em meio às turbulências constantes do ambiente mundano.

9. Billions (Showtime)

Tratar o espectador com respeito e conversar com ele em um nível adulto é algo que poucas séries se dignam a fazer, mesmo hoje em dia, na era do drama de prestígio. Billions é uma dessas joias raras. A produção da Showtime se embrenha no mundo das finanças sem perder a acessibilidade (ou seja, sem se enterrar em jargões), mas não insulta a inteligência de quem acompanha a sua história ou seus personagens. Ao contrário, garante a cada um deles o luxo de agir de maneira moralmente duvidosa, mas com motivações cristalinas.

Em seus melhores momentos, Billions traz personagens nem sempre (quase nunca) nobres, mas permite que o espectador os entenda, verdadeiramente, em sua complexidade. Na era dos anti-heróis, por incrível que pareça, isso não é tão comum. O texto dos criadores Brian Koppelman e David Levien é inteligente e intrincado sem ser pedante, urdindo as suas reviravoltas com confiança e capacitando os atores (Paul Giamatti, Maggie Siff, Damian Lewis, Asia Kate Dillon, difícil escolher o melhor…) para expressá-las de forma integral e excitante.

10. Insecure (HBO)

A década das experimentações de linguagem na TV não seria a mesma sem Insecure, que estreou em 2016 trazendo um furacão chamado Issa Rae da internet para as telas do canal à cabo de maior prestígio dos EUA. Criadora, roteirista e estrela da produção, ela explorou a realidade contemporânea de uma mulher negra de maneira audaciosa, inserindo as conversas e raps de sua personagem (que também se chama Issa) no espelho como uma forma de quebrar a formalidade da “dramédia” de prestígio e se comunicar diretamente com o espectador.

Saúde mental, relacionamentos, a vida da mulher negra no mercado de trabalho, os dilemas do ativismo social dentro de um ambiente corporativo e fora dele… tudo é material para Insecure moldar uma encantadora, genuína e inteligente história de amadurecimento tardio. É uma história tão única e pessoal quanto é um retrato dinâmico e preciso da nossa (ou, ao menos, leitor, da minha) geração.

… E mais 26:

11. Lodge 49 (AMC)

12. Westworld (HBO)

13. Big Little Lies (HBO)

14. Mary Kills People (Global)

15. The Good Place (NBC)

16. Girls (HBO)

17. Good Girls (NBC)

18. Ozark (Netflix)

19. The Marvelous Mrs. Maisel (Amazon Prime Video)

20. Harlots (Hulu/ITV)

21. Sorry For Your Loss (Facebook Watch)

22. The Chi (Showtime)

23. 30 Rock (NBC)

24. Vida (Starz)

25. Please Like Me (ABC2/Pivot)

26. Big Mouth (Netflix)

27. Grace and Frankie (Netflix)

28. Penny Dreadful (Showtime)

29. Baskets (FX)

30. Brooklyn Nine-Nine (Fox/NBC)

31. Hannibal (NBC)

32. GLOW (Netflix)

33. Dirk Gently’s Holistic Detective Agency (BBC America/Netflix)

34. This is Us (NBC)

35. Modern Family (ABC)

36. One Day at a Time (Netflix)

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Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

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