Mr. Robot, uma série que triunfou ao reconhecer a própria imaturidade

Caio Coletti
4 min readJan 8, 2020

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ATENÇÃO: Este texto contém spoilers de todas as temporadas de Mr. Robot

A quarta e última temporada de Mr. Robot, série do canal USA, é extraordinária por muitos motivos. No entanto, os treze capítulos que formam o final da criação de Sam Esmail, exibidos nos últimos meses do ano passado, são fora do comum principalmente porque desenham o triunfo da série como uma admissão de sua própria imaturidade, de seu próprio desengano, de sua própria estupidez.

Em 2015, quando Mr. Robot fez sua estreia na TV norte-americana, ela logo provocou excitação entre o público jovem. Justo e natural: os espectadores enxergaram na revolta armada pelo protagonista Elliot (Rami Malek) contra um mundo dominado por uma grande corporação “fictícia” os ecos (e a válvula de escape) para as angústias da era do capitalismo contemporâneo.

No final do primeiro ano, ele aparentemente triunfava contra a espertamente nomeada E Corp, hackeando-a e comprometendo o sistema que sustentava, quase sozinho, a economia do país. Os caminhos que Mr. Robot começou a seguir depois daquele finale eletrizante, no entanto, rapidamente mostraram que Esmail e sua equipe criativa tinham mais em mente do que encenar uma revolução — eles queriam refletir sobre as consequências dela.

Foi o que o time de Mr. Robot fez, com resultados frequentemente dilacerantes, pelas duas temporadas seguintes. De repente, e para o choque de muita gente, a série reconheceu que as declarações de revolta de Elliot e de seu coletivo de hackers, a fsociety, escondiam uma visão ingênua do mundo. Com cortes cirúrgicos, abriu e examinou o coração de seus personagens, fazendo-os perceber que destituir o sistema não ajuda aos oprimidos por ele se você não tem nada para colocar no lugar.

Muitas vezes inescrutáveis em seu simbolismo e sua deriva ideológica, os episódios do segundo e do terceiro ano de Mr. Robot alienaram muita gente. Uma pena. O que eles fizeram foi operar, com dificuldade inevitável, uma inversão retórica completa na série: da história de um grupo de jovens tentando derrubar os culpados pelo mundo distorcido em que viviam, ela se tornou a história de um grupo de jovens percebendo que sua contribuição (e, portanto, sua culpa) para a forma deste mundo era tão decisiva quanto a dos vilões da trama.

Vilões sem aspas, mesmo, porque Mr. Robot não viu a necessidade de relativizar o estrago causado pelos poderosos para reconhecer a responsabilidade de todos os que (ainda) não são. Prova disso é a trama que atravessa o coração da quarta e última temporada da série.

Nestes episódios derradeiros de Mr. Robot, Elliot e seu alter-ego, que dá o título à série, tentam operar outra revolução: desta vez, contra o DEUS Group, um coletivo de pessoas extremamente poderosas que mandam e desmandam no mundo ao seu bel prazer, frequentemente com consequências trágicas (não para eles, é claro). Embora conheçamos as angústias e motivações de duas dessas pessoas, Whiterose (BD Wong) e Price (Michael Cristofer), elas nunca deixam de ser, essencialmente, o inimigo a ser batido.

Ao invés disso, Esmail e companhia fazem o mais fundamental de qualquer narrativa: trabalham em seus heróis (também sem aspas), como Elliot, sua irmã Darlene (Carly Chaikin) e a agente federal Dom (Grace Gummer), para torná-los vulneráveis e permiti-los um processo continuado de amadurecimento. Assim, quando chega a hora de derrubar estes poderosos, eles o fazem de maneira mais consciente, menos inflamada, mais precisa.

Ao contrário da primeira, a quarta temporada de Mr. Robot mostra justiça social e subversão política feita da forma certa. Sem contar que, em sua reviravolta final, Esmail posiciona a narrativa como uma metáfora perfeita para a evolução que ela mesma passou.

Nos dois últimos episódios de Mr. Robot, descobrimos que o Elliot que estamos acompanhando desde o começo da série é na verdade apenas mais uma das personalidades alternativas do protagonista. Chamado apenas de The Mastermind (algo como O Mentor, em tradução livre), esta personalidade nasceu da canalização de toda a raiva que Elliot sentia de um mundo que lhe deu um pai abusivo, uma mãe e irmã incapazes de ajudá-lo, uma sociedade incapaz de compreendê-lo.

Nos minutos derradeiros do feito colossal de TV que é “Hello, Elliot” (4x13), O Mentor decide renunciar ao controle do corpo do protagonista, que volta a si e (em uma cena que vemos, tocantemente, do seu ponto de vista) se depara com a irmã, a sua conexão mais forte com a realidade imperfeita em que precisa viver, independente de quantas revoluções fizer nela.

Após um primeiro ano que inflamou o público, Mr. Robot chega ao final se voltando para ele no que parece, quase, um pedido desculpas. Em muitos momentos do finale, Ellliot (na verdade, O Mentor) se dirige diretamente para a câmera e nos incentiva a “libertar” o protagonista também. Por mais revoltante que o mundo seja, parece que Mr. Robot quer dizer que uma vida controlada pela raiva não vale a pena.

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Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

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