O “Liga da Justiça de Zack Snyder” é um “filme de arte”, goste dele ou não
LIGA DA JUSTIÇA DE ZACK SNYDER (Zack Snyder’s Justice League, EUA/Reino Unido, 2021)
Quando se trata de filmes de super-heróis, o discurso cinéfilo (especialmente online) parece estar perpetuamente indeciso: uma hora, critica-se filmes que seguem fórmulas de sucesso e parecem saídos de uma linha de produção competente, talvez até hábil em sua elaboração de narrativa, mas com pouco espaço para a personalidade dos artistas respirarem; outra, massacra-se igualmente os filmes em que o espaço para esse respiro é concedido, e em que a autoria não é só afirmada — é inconfundível.
Para os que fazem cinema de super-heróis, a verdade é que é impossível vencer esse jogo. Jogo pequeno, perto dos milhões de bilheteria e de salário, é claro, mas não deixa de ser um jogo. Nele, se você cede, você perde. Se você não se compromete, você perde também. “Liga da Justiça de Zack Snyder” é tudo o que os cinéfilos “cultos”, do alto de seu cavalo de superioridade intelectual, andavam pedindo do cinema de super-heróis. E ainda assim…
É verdade que nem toda marca autoral é igualmente valorosa. A de Snyder, especificamente, tem sido debatida de forma calorosa nos últimos anos — mas, ache dela o que você achar, é inegável que este filme, em suas absurdamente indulgentes 4h de duração, permite que o cineasta recorra a todo o seu arsenal visual, às suas referências deliciosamente vulgares (em algum lugar, Joel Schumacher está sorrindo ao olhar para “Liga da Justiça”), ao seu amor desavergonhado do exagero, do impacto bruto, do charme brega dos quadrinhos de super-heróis em sua forma mais pretensiosa.
Este “Liga da Justiça” celebra os heróis-deuses da DC da forma como eles foram criados: seres maiores do que a vida, cujos traços humanos servem para empurrar a trama adiante, mas cujos verdadeiros arcos e responsabilidades se erguem colossais, quase cósmicos, para alcançar o ar rarefeito onde eles naturalmente vivem, por sua própria concepção. Pareceu-me impossível não me pegar pensando, em algum momento dessas 4h, algo como: “É claro que esses personagens estariam em um filme assim. Nenhum outro tipo de filme seria capaz de contê-los”.
E a abordagem de Snyder cria mesmo momentos arrebatadores, que fazem o investimento alto do espectador no filme, o esforço considerável para ajustar as próprias sensibilidades a ele, gerarem recompensas fartas. Isso porque aqueles arcos colossais dos seis heróis que formam a Liga são desenhados com precisão, embora não tenham nada de sofisticado — aqui, ao contrário do que acontecia no filme de 2017, sentimos a trajetória dos seis se entrelaçar, ao invés de se anular em uma narrativa única de grupo. Cada um deles tem a oportunidade de ser um indivíduo, reenquadrado no contexto do time, mas nunca aniquilado por ele.
É uma arte delicada, que surpreende dentro de um filme que, de delicado, tem muito pouco. Mas não precisa ter, também. “Liga da Justiça de Zack Snyder” é cinema extravagância, extenuantemente comprometido consigo mesmo, por vezes perdido no próprio delírio de grandeza, mas sempre admirável em sua paixão, em sua completude.
Se cinema é mesmo algo que podemos definir, que podemos dizer “é” ou “não é” — e se não queremos separar essas categorias de forma arbitrária, baseando-se só em nossas preferências estéticas — então este é um exemplo óbvio de cinema. Goste dele ou não.
9/10
Onde ver: NOW (streaming), iTunes, Google Play, Looke, Microsoft Store (locação/compra)