“O Tigre Branco” resgata (com tons contemporâneos) a tradição social do cinema indiano
O TIGRE BRANCO (The White Tiger, Índia/EUA, 2021)
Não há nada de Bollywood em “O Tigre Branco” — ou melhor, não há nada da caricatura de Bollywood que a mídia ocidental, especialmente um certo filme vencedor do Oscar mais de uma década atrás, construiu no imaginário coletivo.
O diretor Ramin Bahrani abre mão de cores saturadas e números musicais, e entrega ao invés disso um filme dinâmico, invejavelmente contemporâneo, mas que engaja toda a sua energia em um retrato social agudo, quase em ritmo de thriller criminal, ao invés de na construção de uma fantasia tradicionalista. De fato, “O Tigre Branco” está singularmente preocupado em desconstruir a tradição.
Nisso, o longa se assemelha mais à primeira era de ouro do cinema indiano, que se preocupava com a representação do sistema de castas e da realidade social do país. Bahrani está sobre o ombro de gigantes como Satyajit Ray e Mehboob Khan, mas sua abordagem arrojada mostra que esse não é um ponto de tensão para ele, ou pelo menos que ele não nos deixa ver que é.
Louvável, também, é a forma como o filme maneja a narração em off, apoiando-se principalmente no carisma do protagonista Adarsh Gourav para apresentá-la como uma extensão natural de sua evolução, ao invés de um elemento narrativo distrativo. Gourav, aliás, opera a transformação do seu Balram com precisão absurda — em cada fase da jornada, as viradas do seu cinismo e da sua inocência são estimulantes de se observar, mesmo que dilacerantes de se assimilar.
Ao lado de sua performance elétrica está o retrato plácido da hipocrisia que Rajkummar Rao pinta com tintas refinadas ao interpretar o “mestre” de Balram, Ashok. É nele que “O Tigre Branco” pendura a necessidade da aspereza de sua mensagem, da asserção cristalina de quem são os heróis e vilões em uma Índia (e em um mundo) que não permite que ninguém faça essa escolha por si próprio.
8/10
Onde ver: Netflix.