“Pieces of a Woman” é um bom filme sobre luto que não chega aos pés de sua protagonista
PIECES OF A WOMAN (Canadá/Hungria/EUA, 2020)
Muito já foi falado sobre isso, mas a primeira meia hora de “Pieces of a Woman” é mesmo hipnotizante. Após algumas cenas triviais, conduzidas com a elegância sóbria que marcará o resto do filme, o diretor Kornél Mundruczó nos mergulha em uma epopeia de nervos à flor da pele, de idas e vindas de câmera, na emoção absoluta e urgente de um parto doméstico.
É uma daquelas cenas em que a escolha do take único, que normalmente vem revestida de um prestígio falso e de uma presunção técnica irritante, é plenamente justificada. Mundruczó precisava nos colocar ao lado dos seus personagens em tempo real, sem interrupções de montagem ou truques visuais. Para que investíssemos na jornada que vem pela frente, era necessário que a memória do nervosismo, da alegria e do desespero desse momento permanecesse o mais viva possível dentro do espectador.
Porque o resto “Pieces of a Woman” nem sempre faz um bom trabalho de nos manter à bordo dessa jornada. Há muitas virtudes aqui, não me levem a mal: o roteiro de Kata Wéber, assim como a direção de Mundruczó, tem um leque amplo de boas ideias, e a intenção verdadeiramente nobre de construir um épico de honestidade emocional, centrado em um momento de fracionamento absoluto das identidades dos seus personagens.
Mas falta, digamos assim, um certo freio. Falta entender quais caminhos beneficiam a narrativa, e quais nos levam a tangentes desnecessárias dentro dela. “Pieces of a Woman”, frequentemente demais, segue a deixa do seu título: é um retrato fragmentado de sua protagonista e daqueles à sua volta, incapaz de arranjar esses cacos em uma história envolvente, em um estudo de personagem verdadeiramente íntegro.
A exceção é Vanessa Kirby. Onde o filme se despedaça, perdendo a oportunidade de ser uma obra-prima, ela se mantém inteira em cena, o tempo todo. Onde a tensão da meia hora inicial se dissipa, e o filme luta para manter-nos grudados à história, ela é sempre cativante, sempre fascinante de se observar em cena. É uma performance de estatura inacreditável, de vulnerabilidade, mas também de pulso, perenemente alarmantes.
É ela quem se certifica de que “Pieces of a Woman” acerte o seu golpe emocional mais importante, o seu trunfo inegável de ser uma história sensível sobre as muitas formas de lidar com o luto, e sobre como roubamos a autonomia daqueles que pretendemos amar quando desrespeitamos as deles. É uma mensagem universal, registrada por um filme contundente — mesmo que, fora de sua protagonista, não seja brilhante.
8/10
Onde ver: Netflix.