“Q: Into the Storm” é um épico da nossa era da internet — cínico, amargo e, por vezes, raso

Caio Coletti
2 min readMay 5, 2021

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Q: INTO THE STORM (EUA, 2021)

Há um quê (sem trocadilhos) de filme universitário em “Q: Into the Storm”, a série documental da HBO que busca desvendar as origens — e, possivelmente, a autoria — da teoria de conspiração enormemente influente conhecida como QAnon. O diretor/roteirista/astro da produção, Cullen Hoback, assume um tom de cineasta experimental, usa de seu charme pueril masculino para se aproximar de suas fontes, e não se constrange de aparecer em frente às câmeras para deixar seus métodos e sua jornada cristalinos para o público.

O resultado entretém, impossível negar. O produto final de “Q: Into the Storm” é cheio de reviravoltas e personagens interessantes que se sentem terrivelmente à vontade diante do documentarista. Pela própria aura amadora que adota (natural ou calculadamente, o efeito é o mesmo), Hoback é capaz de mergulhar verdadeiramente nas identidades, rotinas, relações e, portanto, motivos dos principais suspeitos dessa conspiração.

Com uma edição esperta, ciente de ritmo narrativo e verdadeiramente investida na história que quer contar, “Q: Into the Storm” cria habilmente a ilusão de que estamos nos envolvendo nas complexidades dessa trama ao mesmo tempo que o diretor — mesmo que, na verdade, ele esteja contando a história para nós de um ponto onisciente do futuro.

O ônus dessa abordagem, enquanto isso, é que as implicâncias mais sérias da teoria da conspiração que ele aborda nunca passam de fantasmas às margens da tela. A série tem consciência da gravidade dos fatos políticos influenciados e até inteiramente criados pelo grupo QAnon, e essas consequências até surgem em alguns episódios (as imagens capturadas por Hoback da invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro, são particularmente arrepiantes), mas nunca se concretizam, nunca são real e honestamente abordadas no texto.

“Q: Into the Storm”, ao invés disso, adota para si o ar perpetuamente cínico da internet, passeando por prints de redes sociais e mitologias criadas inteiramente online para nos apresentar o mundo inescrupuloso e essencialmente imoral (para o bem e para o mal) que não só permitiu que o QAnon surgisse, mas ativamente o criou. É uma abordagem apropriada, embora seja difícil não sair dela com um gosto amargo na boca — mas talvez esse seja o ponto.

8/10

Onde ver: HBO Go.

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Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

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