“The Lady and the Dale” nos dá um “Bonnie & Clyde” trans — e uma condenação do sonho americano

Caio Coletti
2 min readFeb 25, 2021

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THE LADY AND THE DALE: UMA MENTIRA SOBRE RODAS (The Lady and the Dale, EUA, 2021)

A história de Elizabeth Carmichael é uma história estadunidense por excelência. Uma empreendedora que depositava sua fé no livre mercado e na inovação industrial, e cuja desconfiança do governo só era ultrapassada por suas projeções megalomaníacas de poder, visando provar verdadeiro o sonho americano mesmo que a partir de pouco mais do que algumas mentiras deslavadas, ela encarna o que há de mais decadente e enganador sobre o espírito dos EUA — e sua derrocada fala tanto sobre o país quanto sua ascensão.

Em “The Lady and the Dale”, os diretores Nick Cammilieri e Zackary Drucker demonstram sensibilidade ímpar ao contar essa história com muita consideração pela humanidade de Carmichael, pela dimensão simbólica de seus maiores rivais, e pelo que ela representava dentro do seu contexto. Essa é uma série sobre uma mãe de família (de acordo com todos os relatos, uma ótima mãe de família); uma mulher de negócios intransigente e, por vezes, abusiva; uma apoiadora destemida e carismática do espírito criativo, mas com uma agenda própria nada altruísta; e uma mulher transgênero.

A série da HBO triunfa, em última instância, porque garante não só que cada um desses elementos seja colocado em contexto, ou porque considera como eles interagiam uns com os outros para formar a totalidade deste indivíduo; mas também porque imbui cada aspecto dessa narrativa de vida e criatividade. Os diretores trabalham duro na identidade visual das animações e na costura de testemunhos, imagens de arquivo e gravações de diários da própria Carmichael para criar uma espécie de mitologia gentil, mas afiada, de uma personagem maior que a vida.

O mais bacana, no entanto, é que “The Lady and the Dale” também nunca deixa de se divertir com essa história absurda, cheia de reviravoltas, e que desperta aquele júbilo meio culpado de transgredir a lei que todos guardamos dentro de nós, em um nível ou em outro. Se os héteros podem torcer por Bonnie e Clyde, ou Butch Cassidy e Sundance Kid, parecem dizer Cammilieri e Drucker, nós também podemos torcer por Elizabeth Carmichael — mesmo que seja só por alguns minutos, antes que a realidade se intrometa na fantasia.

10/10

Onde ver: HBO Go.

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Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

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