Um Robert Pattinson fora da caixinha expõe as falhas de “O Diabo de Cada Dia”

Caio Coletti
2 min readJan 27, 2021

--

O DIABO DE CADA DIA (The Devil All the Time, EUA, 2020)

Há um quê de episódico em “O Diabo de Cada Dia”, especialmente na forma como o roteiro de Antonio e Paulo Campos maneja o livro expansivo e ambicioso de Donald Ray Pollock. Aqui, como nas melhores séries de TV, histórias se bastam , mas também se cruzam — narrativa e tematicamente.

São histórias de abuso (sexual, físico, psicológico, de poder) e seu filho primogênito, o trauma. Histórias de como trajetórias de vida marcadas por ensinamentos dogmáticos permitem, às vezes até incentivam, esse abuso, e por isso perpetuam esse trauma. Em um tom mais doído do que vexatório, “O Diabo de Cada Dia” é contundente em como demonstra a fadiga existencial e emocional de quem leva uma existência de violência trivializada no tecido social.

E várias coisas nessa aposta episódica dos irmãos Campos (Antonio também dirige) funciona, em parte por outras escolhas inteligentes e inesperadas. Por exemplo: eu, que raramente vejo o valor de uma narração em off no cinema, me vi envolvido nas revelações que vieram na que é inserida aqui — provavelmente por elas estarem na voz do próprio Pollock, que empresta ao filme o tom, a cadência e a poesia únicas que fazem o seu texto original, eu imagino, mágico.

O elenco estreladíssimo, enquanto isso, aposta em performances emocionalmente sinceras, de eficiência variável (Riley Keough é melhor que Jason Clarke, Eliza Scanlen é mais atriz que Tom Holland, Bill Skarsgard me move mais do que Sebastian Stan — nenhuma surpresa aqui). A nota destoante, como ele já está acostumado a ser, é Robert Pattinson, que se regala no papel de um pastor exageradamente sulista, exageradamente degenerado, exageradamente óbvio em seu hedonismo. Ele é tão repugnante quanto hipnotizante em tela.

O que o seu desempenho expõe, no entanto, é o quanto “O Diabo de Cada Dia” se leva a sério, e o quanto sua estrutura inchada é incapaz de conter essa seriedade. O resultado é uma viagem inteligente, mas cansativa; bem resolvida, mas pouco impactante. Sua mensagem, tão necessária nas entrelinhas mais profundas da nossa vivência social, entra por um ouvido e sai pelo outro.

7/10

Onde ver: Netflix.

--

--

Caio Coletti
Caio Coletti

Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

No responses yet