“Vingadores” e “Game of Thrones”: Encontrando um formato moderno de final feliz

Caio Coletti
5 min readApr 29, 2019

--

ATENÇÃO: ESTE ARTIGO CONTÉM SPOILERS

O final feliz é uma convenção cultural ultrapassada. Foi-se o tempo em que o “felizes para sempre” era o único final possível, o único final esperado, para as grandes narrativas da cultura pop.

Nesta semana, no entanto, “Game of Thrones” (em seu mais recente episódio, “The Long Night”) e “Vingadores: Ultimato” mostraram que estão liderando a busca por uma versão moderna dessa convenção.

Em um mundo de “The Walking Dead”, “Breaking Bad”, “Batman: O Cavaleiro das Trevas” e “Vingadores: Guerra Infinita”, é parte da rotina de cada um de nós encarar finais complexos, trágicos e brutais em produtos de massa.

Não é por menos. A cultura pop reflete o mundo em que ela é produzida, e é difícil argumentar que o nosso planeta está a caminho de um final feliz neste momento. Conflitos políticos, humanitários e bélicos se espalham pelo mundo, a degradação do meio ambiente nunca pareceu um problema tão urgente, e a barragem de problemas com os quais temos que nos confrontar todos os dias nunca foi tão grande.

“Thrones” e “Ultimato” entenderam que, no mundo cruel e complicado de 2019, é preciso um contexto diferente para que a gente ainda vibre ao ver “o bem vencer o mal”. É preciso entender a resistência, a luta, o sacrifício e o conjunto de ideais específicos que compõem o heroísmo moderno.

“Vingadores, avante!”

Em “Vingadores: Ultimato”, a Marvel finaliza uma saga que, em 22 filmes lançados no intervalo de 11 anos, engajou-se em uma discussão importante sobre modelos de liderança. O universo da editora efetivamente refletiu e redefiniu os parâmetros do heroísmo para o século 21.

Por exemplo: Em “Doutor Estranho”, Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é “escolhido” para ser o sucessor da Anciã (Tilda Swinton) como Mago Supremo, mas logo descobre que, para manter-se viva, a sua predecessora tem sugado energia de uma dimensão sombria.

Ela diz que fez o que foi preciso para proteger a Terra, e Strange precisa decidir se seguirá sendo um líder pragmático, que suja as próprias mãos e quebra as próprias regras para fazer seu trabalho, ou um purista como os “vilões” do filme, Kaecilius (Mads Mikkelsen) e Mordo (Chiwetel Ejiofor).

Este complicado dilema esteve também nas jornadas do Capitão América e do Homem de Ferro, que são fechadas em “Ultimato”. Enquanto Steve Rogers buscava, como um homem dos anos 1940 transplantado para o século 21, resgatar um idealismo perdido, Tony Stark pensava em soluções práticas, sem medir as consequências humanas delas (foi assim que ele criou o terrível Ultron, afinal).

Em “Vingadores: Guerra Infinita”, os dois e seus colegas que (como o Doutor Estranho) viveram dilemas similares encontraram Thanos (Josh Brolin), que desejava (e conseguiu) acabar com metade da vida do universo para que a outra metade supostamente vivesse melhor em sua abundância de recursos. Um plano pragmático, sem dúvida, mas cujo custo humano foi imensurável.

Steve, Tony e cia retornam para uma revanche contra Thanos em “Ultimato”, e o filme dos irmãos Russo confronta o pragmatismo do vilão com o nascimento um novo tipo de heroísmo. Um heroísmo adulto, que troca a ingenuidade do “felizes para sempre” por uma vitória tingida de doloroso sacrifício — o de Tony Stark, principalmente.

Essencialmente, também, este é um heroísmo inclusivo. É por isso que um sentimento tão bom nos invade quando o Capitão América se junta a uma legião de rostos diferentes e proclama: “Vingadores, avante!”. “Ultimato” mostra que, na face do cinismo, é preciso todas as vozes para dizer que ainda não fomos derrotados.

“Hoje não”

Algo parecido aconteceu em “The Long Night”, episódio de “Game of Thrones” que finalmente nos mostrou a Batalha de Winterfell. Aqui, vemos os exércitos de Jon Snow (Kit Harington) e Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) travando uma batalha impossível contra a legião dos mortos comandada pelo Rei da Noite.

O diretor Miguel Sapochnik (conhecido por assinar também a Batalha dos Bastardos, outro conflito brutal de “Thrones”) faz com que percebamos o quanto esta é uma causa perdida. “Não é possível derrotar a morte”, diz Sandor Clegane (Rory McCann) em momento decisivo da luta.

Logo, os defensores de Winterfell estão encurralados, esmagados, sufocados por mortos vivos. É um choque de realidade, um momento que obriga cada personagem a confrontar suas crenças. A maioria deles, afinal, nem mesmo acreditava em Caminhantes Brancos e zumbis de gelo quando esta história começou, e muito menos estaria nas linhas de frente de uma guerra perdida.

Mas, entre todos eles, só uma garota foi ensinada a dizer “hoje não” para a morte. Arya Stark (Maisie Williams) se levanta em meio aos homens e mulheres (a inclusão, de novo) que estão defendendo uma causa maior que eles mesmos e dá um salto de fé para dizimar o maestro dessa sinfonia mortal (o Rei da Noite) com um golpe de adaga.

Com um gesto que pode parecer tão insignificante quanto o estalar de dedos de Tony Stark em “Vingadores: Ultimato”, Arya salva o dia, sua família e os Sete Reinos. Pode ser que nenhum dos dois atos salvadores façam muito sentido quando você pensa nos poderes que os heróis que os praticaram tinham em relação aos vilões, mas a lógica realmente importa, aqui?

Histórias são tão mapa, tão inspiração, quanto são espelho. Que “Vingadores” e “Game of Thrones” chegaram até aqui para nos dizer que o bem ainda vai vencer, ainda que ele não tenha o rosto com o qual estamos acostumados a vê-lo, é simplesmente perfeito.

--

--

Caio Coletti
Caio Coletti

Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

No responses yet