“WandaVision” é uma boa série de TV, mas um pedaço melhor de cultura pop

Caio Coletti
3 min readMar 22, 2021

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WANDAVISION (EUA, 2021)

Todo pedaço de ficção é, de certa forma, tanto uma pílula de narrativa contida em si mesmo, quanto uma passagem de discurso cultural — mas alguns são mais a segunda coisa do que a primeira, pela própria virtude de sua relevância dentro do zeitgeist em que são lançados. É o caso dos títulos do MCU e, especificamente, de “WandaVision”, uma série que se eleva para além das próprias virtudes e se mostra uma adição valiosa ao fluxo discursivo da atualidade.

Como algumas outras peças de entretenimento que foram lançadas durante a pandemia do coronavírus, “WandaVision” parece quase estranhamente presciente, embora de forma mais oblíqua do que algumas outras séries e filmes que marcaram a quarentena. Isso porque, ao invés de vermos a trama refletir o mundo lá fora, observamos, até um pouco incomodados, como ela reflete o mundo aqui dentro de cada um.

Essa alquimia estranha começa nas fundações mais óbvias, conceituais da série: como viagem pelas eras da sitcom norte-americana, “WandaVision” quer evocar o conforto e a organização social (a “suavização” dos problemas, a “metodização” dos conflitos) que esse gênero sempre ofereceu para a sociedade; mas, como estudo de personagem para Wanda Maximoff, ela quer apontar buracos nessa organização, mostrar que o processo de luto é mais complicado, mais doloroso do que uma sitcom jamais será capaz de mostrar.

Em “WandaVision”, uma mulher busca refúgio na TV mais querida de seu coração quando o mundo real é difícil demais de assimilar. Não é uma narrativa familiar, em pleno 2021? Não é o que fizemos todos? É verdade que, no contexto da série, Wanda acaba descobrindo quantas pessoas machuca com a sua negação, e precisa fazer a escolha moral, heroica, de lidar melhor com o seu luto — essa é uma história da Marvel, no fim das contas.

Mas quantos de nós, também, estão lidando com o luto nesse momento? Quantos de nós estão procurando o melhor escape, ou o maior equilíbrio, para aceitar o que aconteceu conosco ou com aqueles ao nosso redor, sem por isso cair na complacência? Quantos estão procurando a saída heroica, agora? “WandaVision” não tem e nem precisa ter respostas definitivas, mas nos deu, por nove semanas, um lugar unicamente sereno (a narrativa) para que tentássemos encontrar a nossa.

E isso tudo é maior do que qualquer consideração técnica que eu pudesse ter sobre a série. Eu poderia dizer que a direção de Matt Shakman, que não me empolgou no início, decolou nos episódios que emulam estilos mais recentes de sitcom (a paródia de “Modern Family” é especialmente observadora e impagável); ou poderia dizer que Elizabeth Olsen entrega uma Wanda integralmente sentida, visceral, no momento em que nós e a personagem precisávamos exatamente disso.

“WandaVision”, no entanto, é exemplo primário de série que é muito mais do que a soma de suas (competentes, mas só isso) partes.

9/10

Onde ver: Disney+.

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Written by Caio Coletti

Jornalista. Repórter do Omelete. Poptimist.

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