“WandaVision” é uma boa série de TV, mas um pedaço melhor de cultura pop
WANDAVISION (EUA, 2021)
Todo pedaço de ficção é, de certa forma, tanto uma pílula de narrativa contida em si mesmo, quanto uma passagem de discurso cultural — mas alguns são mais a segunda coisa do que a primeira, pela própria virtude de sua relevância dentro do zeitgeist em que são lançados. É o caso dos títulos do MCU e, especificamente, de “WandaVision”, uma série que se eleva para além das próprias virtudes e se mostra uma adição valiosa ao fluxo discursivo da atualidade.
Como algumas outras peças de entretenimento que foram lançadas durante a pandemia do coronavírus, “WandaVision” parece quase estranhamente presciente, embora de forma mais oblíqua do que algumas outras séries e filmes que marcaram a quarentena. Isso porque, ao invés de vermos a trama refletir o mundo lá fora, observamos, até um pouco incomodados, como ela reflete o mundo aqui dentro de cada um.
Essa alquimia estranha começa nas fundações mais óbvias, conceituais da série: como viagem pelas eras da sitcom norte-americana, “WandaVision” quer evocar o conforto e a organização social (a “suavização” dos problemas, a “metodização” dos conflitos) que esse gênero sempre ofereceu para a sociedade; mas, como estudo de personagem para Wanda Maximoff, ela quer apontar buracos nessa organização, mostrar que o processo de luto é mais complicado, mais doloroso do que uma sitcom jamais será capaz de mostrar.
Em “WandaVision”, uma mulher busca refúgio na TV mais querida de seu coração quando o mundo real é difícil demais de assimilar. Não é uma narrativa familiar, em pleno 2021? Não é o que fizemos todos? É verdade que, no contexto da série, Wanda acaba descobrindo quantas pessoas machuca com a sua negação, e precisa fazer a escolha moral, heroica, de lidar melhor com o seu luto — essa é uma história da Marvel, no fim das contas.
Mas quantos de nós, também, estão lidando com o luto nesse momento? Quantos de nós estão procurando o melhor escape, ou o maior equilíbrio, para aceitar o que aconteceu conosco ou com aqueles ao nosso redor, sem por isso cair na complacência? Quantos estão procurando a saída heroica, agora? “WandaVision” não tem e nem precisa ter respostas definitivas, mas nos deu, por nove semanas, um lugar unicamente sereno (a narrativa) para que tentássemos encontrar a nossa.
E isso tudo é maior do que qualquer consideração técnica que eu pudesse ter sobre a série. Eu poderia dizer que a direção de Matt Shakman, que não me empolgou no início, decolou nos episódios que emulam estilos mais recentes de sitcom (a paródia de “Modern Family” é especialmente observadora e impagável); ou poderia dizer que Elizabeth Olsen entrega uma Wanda integralmente sentida, visceral, no momento em que nós e a personagem precisávamos exatamente disso.
“WandaVision”, no entanto, é exemplo primário de série que é muito mais do que a soma de suas (competentes, mas só isso) partes.
9/10
Onde ver: Disney+.